Maria Luísa entra no seu apartamento em Almada. Herdou-o dos pais, já ambos falecidos. Nas suas voltas pelos vários compartimentos a narradora vai descrevendo ambiente e vistas das varandas sobre o Tejo, mobílias e objetos decorativos, tudo servindo para evocar épocas passadas. Deste modo ela partilha a sua vida, a chegada aos doze anos a um Portugal desconhecido, a passagem por casa de avós e tias na província, o colégio interno, a universidade em Lisboa, os primeiros amores e a sua grande paixão pelo seu jovem colega David, o retorno dos pais dez anos mais tarde e, com eles um dia-a-dia bastante difícil, porém iluminado por momentos de cumplicidade e afeto entre os três. E sempre a luta com o próprio corpo, esse “monstro indomável” que ela mais tarde irá tentar vencer através de uma operação.

Os passos solitários pela sua casa, espécie de caixa de ressonância de uma vida plena de dores e ilusões remetem para um país que se quer libertar de décadas de ditadura, colonialismo e moral conservadora e repressiva e que, à semelhança da protagonista, se deseja estável e feliz.

Isabela Figueiredo, jornalista e escritora, nasceu em 1963 em Lourenço Marques, hoje Maputo e, em 1975, na sequência da revolução e da independência de Moçambique, foi enviada para casa de familiares no interior de Portugal. A partir do seu blog surgiu o livro Caderno de Memórias Coloniais, quatro décadas após a sua experiência de vida ligada à colonização. A sua publicação em 2009 causou escândalo devida a uma linguagem crua e direta. Publica regularmente prosa curta no seu blog e no facebook.

— Devido a situação pandémica e ao cancelamento da viagem da autora lamentamos comunicar que a leitura foi cancelada. Agradecemos o vosso apoio e compreensão. —

A escritora portuguesa Isabela Figueiredo analisa neste relato autobiográfico, de um modo muito pessoal e crítico, o que foi o colonialismo português em Moçambique.

A narradora nasceu e cresceu em Lourenço Marques, hoje Maputo, capital de Moçambique. No foco das suas memórias está a figura do seu pai, que desde os anos 50 vivia e trabalhava em Moçambique. Fugido a uma situação precária no interior de Portugal é na colónia que ele consegue singrar e onde demonstra a sua primazia branca e racista. O que a filha vive e testemunha vai ser descrito a partir de uma perspetiva inocente que, por isso mesmo, tem o poder de desconstruir o mito de um colonialismo “bonzinho”. O quotidiano é marcado por discriminação, racismo descarado, sexismo e violência para com a população autóctone.

A uma distância de quatro décadas Isabela Figueiredo enfrenta o seu próprio passado e a relação com o pai, figura que representa o passado colonial. É só em 2009 e após a morte do pai que ela publica o livro, que gera de imediato fortíssimas críticas, pois ao aplicar um olhar nada pacífico sobre o colonialismo português, o caderno de memórias tinha quebrado um tabu.

Isabela Figueiredo, jornalista e escritora, nasceu em 1963 em Lourenço Marques, hoje Maputo e, em 1975, na sequência da revolução e da independência de Moçambique, foi enviada para casa de familiares no interior de Portugal. Publicou em 2016 o romance A Gorda, galardoado com vários prémios. Publica regularmente prosa curta no seu blog.